Pergunta: Deus está calado? Se ele está tão interessado em que façamos sua vontade, por que ele não a revela de uma maneira mais clara?
Inúmeras pessoas afirmam ouvirem a palavra de Deus hoje em dia. Algumas estão malucas, como é o caso do louco que, "por ordem de Deus", atacou com martelo a estátua Pietà, de Michelangelo, ou do assassino político que afirma que Deus lhe disse para atirar no presidente. Outros parecem sinceros mas desorientados, como os seis estranhos que contaram à escritora Joni Eareckson que Deus os havia orientado a se casarem com ela. Ainda outros parecem genuinamente levar adiante a tradição dos profetas e apóstolos, entregando a palavra de Deus a seu povo. Por isso podemos estar presos num estado de ambigüidade, incertos se aquilo que ouvimos é realmente uma palavra da parte de Deus.
Por que Deus não simplifica a questão simplesmente, dizendo-nos o que fazer? Descobri que ele o fez uma vez, entre os israelitas acampados no deserto do Sinai. Devemos desmontar nossas barracas e viajar hoje, ou devemos deixá-las armadas? Para obter a resposta, um israelita inquiridor necessitava apenas dar uma olhada para a nuvem acima do tabernáculo. Se a nuvem partisse, Deus queria que seu povo partisse.
Se a nuvem permanecesse, isso significava que deviam permanecer. (Sem problema algum era possível conferir a vontade de Deus a qualquer hora do dia ou da noite; à noite a nuvem era incandescente como uma torre de fogo.)
Deus estabeleceu outras maneiras, como o lançar sortes e o Urim e o Tumim, para comunicar diretamente sua vontade, mas a maioria dos assuntos já estava previamente decidida. Ele havia dito sua vontade para os israelitas num conjunto de regras, codificadas em 613 leis que cobriam toda a gama de comportamentos, desde o assassinato até cozinhar um cabrito no leite de sua mãe. Naqueles dias pouquíssimas pessoas se queixavam de orientação ambígua.
Mas será que uma clara palavra da parte de Deus aumentou a probabilidade de obediência? Aparentemente não. "Não subais nem pelejeis [contra os amorreus]", disse Deus, "pois não estou no meio de vós, para que não sejais derrotados diante dos vossos inimigos." E os israelitas imediatamente subiram e lutaram contra os amorreus e foram derrotados por seus inimigos. Marchavam quando instruídos a manter a posição, fugiam atemorizados quando instruídos a marchar, lutavam quando instruídos a fazer paz, faziam paz quando instruídos a lutar. O passatempo nacional deles passou a ser inventar maneiras de quebrar os 613 mandamentos. Orientação nítida se tornou para aquela geração uma afronta, da mesma maneira como orientação obscura se tornou para a nossa.
Também observei um padrão marcante nos relatos do Antigo Testamento: a própria clareza da vontade de Deus tinha um efeito desanimador na fé dos israelitas. Por que buscar a Deus quando ele já se havia revelado de forma tão clara? Por que dar um passo de fé quando Deus já havia garantido os resultados? Por que lutar com o dilema de escolhas conflitantes quando Deus já havia solucionado o dilema? Em suma, por que os israelitas deviam agir como adultos quando podiam agir como crianças? Pois então, comportavam-se mesmo como crianças, murmurando contra seus líderes, descumprindo as regras estritas quanto ao maná, choramingando a cada vez que faltava água ou comida.
À medida que estudava a história dos israelitas, pensei duas vezes sobre o "ideal" da orientação clara de Deus. Talvez atenda a algum propósito — pode, por exemplo, fazer um bando de escravos recém-libertados atravessar um deserto hostil — mas não parece estimular o desenvolvimento espiritual. Na realidade, para os israelitas isso quase eliminou por completo a necessidade de fé; a orientação clara e definida esvaziou a liberdade, tornando cada escolha uma questão de obediência e não de fé. E nos quarenta anos de peregrinação pelo deserto os israelitas foram tão mal no teste da obediência que Deus se viu obrigado a começar de novo com uma nova geração.
Trecho retirado do livro "Decepcionado com Deus" de Philip Yancey - Editora Mundo Cristão
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